09 novembro 2005

Alice (4/5)

Tocante, sensível e perturbador. Terno, pungente e arrebatador.
Assim é "Alice", a obra de estreia do realizador Marco Martins, que conta com uma fabulosa interpretação de Nuno Lopes no papel de um pai à procura da filha perdida, deambulando pela cidade de Lisboa, distribuindo flyers, enquanto repete, diariamente, os mesmos passos que deu no último dia em que a viu. Mais ainda que a personagem do pai, é a angústia a verdadeira protagonista neste filme, já que é por causa dela que as personagens humanas vão definhando a pouco e pouco, em movimentos de câmara necessariamente lentos e pesados, pois é de tempo que aqui se fala. O tempo que não passa para quem perdeu um ente querido e tem que carregar o mundo às costas, quando o mundo era, afinal, uma criança.
Não é a preto e branco que assistimos ao lento desmoronar de uma família, mas quase. Afinal, para quê colocar cor numa história que necessariamente não a tem nem pode ter? Salva-se o azul, afinal a única cor de que se fala em toda a história, a cor do casaco de Alice e a cor que representa a esperança deste pai, agarrado como pode à última imagem que tem da filha.
Tudo é belo neste filme, desde a fotografia de uma Lisboa que "não se vê nos filmes" (palavras do realizador) até à música, da autoria de Bernardo Sassetti. Dedicado à mãe do jovem Rui Pedro, o menino que desapareceu em 1998, Alice é um filme que imediatamente nos cativa e nos deixa a pensar no final que pior que a dor de perder é seguramente a dor de não saber...

2 Comments:

Blogger Ryder said...

Continuo a dizer que era excelente se tivesse menos 30m... Assim, fica só bastante bom e "groundbreaking" a nível nacional.

17/11/05 15:31  
Anonymous Anónimo said...

Ter um filho, perder um filho. Dois estados de alma que dificilmente se explicarao por palavras, duas sensaçoes-limite inatingíveis para quem nao as viveu. Para estes resta a tentativa de aproximaçao e é este exercício que é impossível nao fazer ao ver Alice: "E se me acontecesse a mim?".
Alice é simples na forma de contar mas imensamente complexo na teia de sentimentos que contém: raiva, amor, incompreensao, desespero, compaixao, esperança. Tudo isto carrega nos ombros a personagem cujos movimentos seguimos: o pai de Alice (magnífica interpretaçao de Nuno Lopes). E até aqui o filme é original. Por eleger a figura masculina - tantas vezes descurada pelos Media no desfiar deste tipo de dramas - como narrador da história.
Há quem denuncie a extensao do filme e o seu arrastar mas nao poderia ser de outra forma: nao sao lentos os dias daqueles que vivem à espera?

19/11/05 18:14  

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