16 janeiro 2006

Match Point (4/5)

Começo com uma ideia emprestada da fã número um deste blog (sim, que este blog também tem fãs): os filmes de Woody Allen sem Woody Allen têm muito mais piada do que aqueles em que ele entra.
É o caso deste “Match Point”, um filme que só no desenlace revela alguns sinais do saxofonista, pois até aí ninguém seria capaz de dizer que estávamos perante um filme seu. E talvez por isso me apetece dizer que este é o melhor Woody Allen de sempre, ao revelar uma capacidade até aqui desconhecida de escrever uma história sólida com princípio, meio e fim e de a filmar num registo que não é o seu. Ao ter revelado a difícil capacidade de se reinventar a si próprio, num momento em que já goza de um estatuto consolidado na indústria, Woody merece todo o reconhecimento que está a obter em Hollywood (como são exemplo as nomeações para os globos de ouro) apesar de se saber que não é isso que ele busca.
Surpreendente é também a prestação de Jonathan Rhys-Meyers como Chris Wilton (até aqui desconhecido do grande público), a personagem principal desta história que mistura ténis, alta-sociedade, ambição desmedida e amor. Tudo com a dose certa de realismo e seriedade que não estávamos habituados a ver em Woody Allen e com apenas uma cena - a do “julgamento” - a la Woody. Só que aqui, sem as habituais psicoses e personagens neuróticas que povoam os seus filmes, a cena acaba por resultar num grande momento cinematográfico, humorística e simultaneamente solene.
É Woody Allen no seu melhor, quem dera que fosse sempre assim...

King Kong (4/5)

Puro entretenimento, emoção a rodos e uma história de amor entre um macaco e uma mulher.
Passaram já muitos anos desde que vi a versão original de King Kong (o filme de 1933, da autoria de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack) e tenho pena de não conseguir recordar-me de uma única cena porque muito jeito me dava para poder fazer comparações. Mas há uma coisa que salta aos olhos de todos quantos vejam este "King Kong" do século XXI. É que não se imagina como foi possível fazer um filme deste tipo com a tecnologia que existia nos anos 30. Se é que existia alguma.
Depois da trilogia “O Senhor dos Anéis”, Peter Jackson regressa aqui em grande nível e no seu melhor. Nem sei o que mais admiro nele: se a capacidade de nos fazer acreditar que o que vemos no ecrã não são efeitos especiais mas sim personagens reais (sejam macacos, dinossauros, dragões ou trolls); se o modo de contar histórias, sempre apaixonante e com o ritmo certo; ou se a técnica cinematográfica, que domina como ninguém, parecendo sempre que escolhe a melhor luz para cada plano, o melhor plano para cada cena e a melhor cena para cada momento da história.
Desisto de tão difícil escolha e rendo-me ao festival de luz, cor e acção que preenche o ecrã e não nos deixa descansar durante 3 horas. Os actores são aqui peças menores de uma máquina demasiadamente bem oleada para deixar brilhar quem quer que seja. Naomi Watts, Jack Black e Adrien Brody parecem tirados de um filme dos anos 60, de tão propositadamente clássicas são as suas interpretações, parecendo mesmo que juntamente com o genérico final, foram os únicos elementos que o realizador foi buscar ao modelo original. O resto... bom, o resto é uma irmandade entre passado, presente e futuro, com um final apoteótico no cimo de uma torre onde um rei resiste o mais que pode, apenas por amor. Algum dia regressará?

15 janeiro 2006

O Fiel Jardineiro (3/5)

Depois de tanta publicidade à volta do filme, depois de tantas expectativas criadas, depois de tantas e tão importantes nomeações para os globos, esperava muito mais deste "O Fiel Jardineiro". No fundo, só vem provar que vivemos em 2005 um verdadeiro mau ano de colheita, onde a qualidade média das películas se situou bem abaixo de outros anos e em que filmes medianos são considerados grandes obras-primas apenas porque o standard da indústria atingiu níveis mínimos históricos.
A dupla Fernando Meirelles / John le Carré prometia, claro. O primeiro foi realizador de "Cidade de Deus", um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos (se não mesmo o melhor de sempre) e que maior aceitação internacional granjeou. O segundo, apesar da sua última história adaptada para o ecrã não me ter convencido por aí além (falo de "O Alfaiate do Panamá") é um prestigiadíssimo romancista britânico, autor de best-sellers como "O Espião Que Veio do Frio" e "A Casa da Rússia".
A verdade é que infelizmente há John le Carré a mais neste filme e Fernando Meirelles a menos. Explico-me. Do inglês retemos a história, a espaços confusa, de um diplomata britânico (Ralph Fiennes) casado com uma activista dos direitos humanos (Rachel Weisz) metida numa investigação perigosa sobre os métodos pouco ortodoxos da indústria farmacêutica em África. A teoria da conspiração aparece aqui em todo o seu esplendor, como aliás já sucedia em "O Alfaiate do Panamá", transformando o argumento numa peça de propaganda política pouco credível. Quanto ao brasileiro, quedamo-nos com a forma peculiar de mostrar as cidades e as populações de África, bem ao jeito das favelas da “Cidade de Deus” mas sem nada do seu fôlego narrativo.
Enfim, como crítica social que é, “O Fiel Jardineiro” vale pelo alerta lançado ao planeta sobre algumas das atrocidades que são diariamente cometidas em África, ainda que os protagonistas principais possam não ser, necessariamente, os representados neste filme. Para encontrá-los, há que saber ler nas entrelinhas do romance e não nos prendermos nos detalhes de uma história que foi certamente escrita como uma metáfora da realidade. Esse foi, ainda assim, o maior mérito do escritor.